
De autoria e César Morais, um poema escrito na Terra da Boa Gente, em 1960.
Apenas um comentário: delicioso!
Noite Africana
É noite.
É noite, ó África, e tu não dormes!
Estás comigo, ó África! Estás comigo!
Manchas enormes, ainda informes...
Estou só. Vou só.
Por trás de uma cerca de caniço,
a Lua, plena de estranho viço,
ergue-se... sanguinolenta, descarada e nua.
Vai por um coqueiro sem copa subindo.
No ar pairam cheiros sensuais...
Uivam rafeiros. Uivam rafeiros e nada mais.
Do alto deste morro agora,
no capim deitado, absorto e mudo,
Contemplo o Espaço...
Lembro mundos d’outrora,
recordo outras vidas, recordo tudo.
Mas a voz do vento
chama por mim. Que faço?
Ergo-me e vou.
Vou só. Vou atento.
A Lua já coroa de santidade
aquele coqueiro velho sem copa.
Afasto-me da cidade...
Por entre as palhotas vou a eito.
Cheira à flor da mangueira,
a sorvos, encho o peito.
Cheira à flor-da-mangueira,
e sigo na sua esteira...
Calco capins virgens de calçado.
Calco capins e calco medos...
Vou todo calado.
Recalco vozes d’outros Continentes.
Eu sou a África!
Eu sou a África! E tu não mentes!
Súbito chego à tua palhota.
Termo da minha rota...
Para lá do véu denso das palmeiras,
ondulando serenas ao sopro do luar,
bem acima agora,
mergulhava a Lua sonhadora,
olhos postos nas esteiras
onde curvas morenas
lembravam o Mar...
Apelos? Angústias?
Oh! Não!... Sonhar...
Por entre as palmas entrançadas,
do tecto das palhotas maticadas
escoava-se lento, o luar.
Lento... lento... sem se apressar.
Saciado e contente, o luar...
Escoava-se lento... sem se apressar...
..........................
Lá fora amanhecia.
Cantavam galos, ladravam cães,
havia gente que ria.
Cabelos revoltos, olhos a rir,
Peitos cheios... do perfume
da flor-da-mangueira,
(não, não era cegueira)
cantávamos a sorrir...
Inhambane, anos 60
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